ITBI: O que está por trás do aumento das demandas judiciais sobre a cobrança do ITBI pelos municípios?
- Mariana de Souza Ramos
- 13 de abr. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 29 de jul. de 2024

Apesar das recentes decisões judiciais sobre o ITBI, que tinham como objetivo a uniformização da jurisprudência sobre o tema, é possível observar o aumento de ações judiciais com a finalidade de questionar a cobrança do imposto municipal.
A título exemplificativo, podemos citar a cobrança do ITBI na integralização do capital social de pessoas jurídicas com bens imóveis.
Acerca da integralização do capital social, o artigo 1.055 do Código Civil dispõe que:
“É vedada contribuição que consista em prestação de serviços”.
Não há qualquer proibição legal para a integralização do capital social com bens imóveis.
Assim sendo, a integralização do capital social das pessoas jurídicas não ocorre necessariamente pelo aporte de dinheiro, podendo ser feita de diversas formas, inclusive por meio da transmissão de imóveis das pessoas físicas para as empresas.
No entanto, existem diversas controvérsias acerca da cobrança do ITBI nessas situações.

Ao julgar o RE 796.376/SC - Tema 796, na sistemática da repercussão geral, o STF analisou o:
“Alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado”.
No julgamento, que aconteceu em 05/08/2020, restou definido que:
"A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".
Conforme o disposto no artigo 156, §2º, inciso I da Constituição Federal, o ITBI:
“não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente[1] for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. (Grifamos)
Pela leitura do artigo, existe a possibilidade de se interpretar que a não preponderância da atividade é um requisito aplicável apenas para casos em que há transferência de bens decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica.
Em outras palavras, para a imunidade existir, a atividade da pessoa jurídica é irrelevante para os casos em que a transferência dos bens imóveis se dá em virtude de integralização do capital social da pessoa jurídica.
Esse é justamente o entendimento firmado pelo ministro Alexandre de Moraes, que proferiu o voto vencedor ao julgar o tema 796:
“Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I — ‘nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’ — revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão ‘nesses casos’ não alcança o ‘outro caso’ referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do artigo 156 da CF. (…)
Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do §2º, do artigo 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso (…).
Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito”.
Por isso, algumas empresas que atuam nos seguimentos de compra e venda de bens imóveis e afins discutiram judicialmente a cobrança do ITBI para casos em que houve a integralização do capital social da pessoa jurídica com imóveis.
Nesse caso, os contribuintes alegam que não é relevante a atividade preponderantemente praticada pela empresa, desde que a transferência do imóvel implique apenas em aumento do capital social, sem qualquer constituição de reserva de capital.
A previsão do artigo 23 da Lei nº. 9.249/95 prevê que:
“pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização do capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado”. (Grifamos)
A norma contempla uma verdadeira faculdade do contribuinte, que pode optar por fazer a integralização do capital pelo valor histórico ou pelo valor de mercado.
Por outro lado, sem o ajuizamento de ação judicial, a tendência é que a cobrança do ITBI seja efetuada pelos municípios.
De acordo com o entendimento do STF, firmado ao julgar o tema 796, o ITBI incide sobre o valor dos bens que forem superiores ao valor do capital a ser integralizado.
De fato, o julgado limita a imunidade para os valores acima da integralização do capital.
Não obstante, alguns municípios interpretam que incide o ITBI sobre a diferença entre o valor de avaliação do bem pelo município e o valor a ser integralizado do capital da empresa.
Assim sendo, no entendimento dos respectivos municípios, a pessoa jurídica poderia atualizar o valor do imóvel na declaração do imposto de renda, pagando o IR sobre o ganho de capital ou pagar o ITBI na operação (com percentual inferior), se optasse por não atualizar o valor na declaração.
Como justificativa para a cobrança, os municípios alegam que nos termos do artigo 38 do CTN, a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

Vale lembrar ainda, que a certidão de isenção do ITBI é essencial para a regularização da operação de integralização do capital. Por isso, são cada vez mais comuns ações judiciais sobre o tema, visando a afastar a cobrança do ITBI em casos semelhantes.
Da mesma maneira, existem ainda outras controvérsias jurídicas relacionadas com a cobrança do ITBI, desta vez para casos em que há a simples compra e venda de bens por pessoas físicas ou jurídicas.
Ao julgar o Recurso Especial nº. 1.113, na sistemática de recursos repetitivos, o STJ pacificou os seguintes entendimentos sobre a base de cálculo do ITBI:
“1. a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
2. o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN);
3. o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.
Assim sendo, a base de cálculo do ITBI restou definida como o valor da operação de venda, em condições normais de mercado.

De acordo com o julgado, há uma verdadeira presunção de que o valor da transação declarado pelo contribuinte condiz com o valor da efetiva transferência (pagamento na operação de venda). Havendo qualquer discordância, cabe ao município questionar e fiscalizar.
Não obstante a clareza do entendimento, algumas prefeituras continuam cobrando o ITBI sobre um “valor de referência”, arbitrado pela prefeitura antes mesmo da operação. Em outros casos, o ITBI é cobrado sobre o valor da base de cálculo vinculado ao IPTU.
Também por esse motivo, é cada vez mais comum a existência de ações judiciais para discutir a base de cálculo para a cobrança do ITBI pelas prefeituras, até mesmo para operações cotidianas de compra e venda de imóveis.
Em suma, as decisões judiciais proferidas pelo STF e pelo STJ não pacificaram totalmente os questionamentos judiciais acerca da cobrança do ITBI, motivo pelo qual os contribuintes continuam acionando o poder judiciário para discutir as cobranças.
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[1] O artigo 37 do Código Tributário Nacional detalha as hipóteses em que a preponderância da atividade é reconhecida:
“§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição”.


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